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Crossdresser, CD ou “CDzinha”? Uma reflexão sobre rótulos, práticas e identidades

  • Foto do escritor: Paula Lavigne
    Paula Lavigne
  • 12 de jul.
  • 4 min de leitura

Quando a gente começa a trilhar a jornada do autoconhecimento dentro do universo da expressão de gênero, muitas palavras aparecem no caminho. Algumas nos acolhem, outras confundem, e tem aquelas que a gente ressignifica com o tempo.


Hoje eu queria propor uma reflexão sincera, e pessoal, sobre três palavras que muita gente usa quase como sinônimos, mas que acabam carregando significados, julgamentos e interpretações muito diferentes dependendo de onde vêm e de quem as usa: Crossdresser, CD e CDzinha.

crossdressing

De onde vem a palavra Crossdresser?


A palavra crossdresser vem do inglês cross (atravessar) e dresser (aquele que se veste). Ou seja, literalmente, “aquele que se veste atravessando” a linha tradicional de gênero. É um termo criado nos Estados Unidos por volta dos anos 1970, usado principalmente para substituir expressões pejorativas como transvestite, que tinham sido associadas a fetichização, marginalização e até criminalização em muitos contextos.


O crossdressing, então, nada mais é do que o ato de se vestir com roupas que tradicionalmente são associadas ao gênero oposto ao seu sexo biológico. É uma ação. Um verbo. Uma prática. Uma escolha, que pode ou não estar ligada a identidade de gênero ou orientação sexual. E isso é essencial de se entender.


Ou seja, o termo não vem do latim ou de raízes antigas, mas de uma construção sociolinguística moderna. Foi uma tentativa de nomear algo que sempre existiu na humanidade, afinal, o uso de roupas “do outro gênero” está presente desde o teatro grego, passando por Shakespeare e até o Carnaval de rua no Brasil, mas que só recentemente ganhou espaço pra ser discutido de forma mais respeitosa.


CD e “CDzinha”: variações do mesmo ato


Já o termo CD nada mais é do que uma abreviação de crossdresser. Usada muitas vezes em fóruns, grupos online e até na comunicação entre nós, principalmente por praticidade ou até para manter certo grau de sigilo.


Agora… “cdzinha” é um termo bem brasileiro, nascido na nossa cultura de gírias, onde tudo vira apelido. Ele carrega uma conotação mais informal, e às vezes até marginalizada, sobre a prática do crossdressing. Já ouvi ser usado de forma carinhosa, mas também como forma de chacota ou desmerecimento. E aqui que entra a minha primeira inquietação: por que precisamos de tantos nomes para a mesma prática?


A verdade é que essa necessidade de diferenciar, criar escalas ou rótulos dentro do próprio nicho, muitas vezes vem da nossa dificuldade coletiva de entender o crossdressing como uma prática legítima, principalmente dentro das próprias minorias. É quase como se estivéssemos vivendo um tabu "dentro do tabu".


Quando a sociedade sexualiza o que não entende


A internet, infelizmente, tem um papel muito forte em sexualizar minorias. E o crossdressing não escapou disso. Muitos conteúdos disponíveis online associam a prática unicamente ao fetiche, ao segredo, ao proibido. Mas essa visão é extremamente limitada e perigosa.


O crossdressing é, antes de tudo, uma forma de expressão. Para algumas pessoas, sim, pode estar ligado a algo íntimo, uma fantasia, um desejo. Mas para outras, é um passo importante no autoconhecimento, na descoberta da sua identidade, ou apenas uma forma de brincar com a moda e os limites do que é “permitido” vestir.


E tudo isso é válido. Tudo isso é real. E tudo isso merece respeito.


O que é “ser” uma crossdresser? Existe uma régua?


Agora vem o ponto que mais me pega emocionalmente: a comparação interna. O julgamento dentro da própria comunidade. Às vezes parece que existe uma régua invisível dizendo quem é “mais” ou “menos” crossdresser. Como se fosse necessário atingir uma “perfeição feminina”, roupas impecáveis, passabilidade, voz, modos, para ser “legítima”.


Mas na minha visão, e falo com muito carinho e humildade, toda pessoa que pratica, em qualquer nível, o ato de se expressar com roupas do outro gênero, já está praticando o crossdressing. Seja uma calcinha escondida debaixo da roupa, seja uma foto feita com filtro de IA, seja uma transformação completa com peruca e maquiagem. Cada um faz o que pode, com o que tem, dentro do seu contexto, seja ele financeiro, físico, emocional ou social.


E é justamente por isso que julgar é cruel. A gente nunca sabe o que aquela prática representa para o outro. Às vezes, é a única válvula de escape. Outras vezes, é o começo de uma jornada que pode (ou não) levar à transição. E tem também quem queira só experimentar, viver uma fantasia, ou fazer arte. E tudo bem.


Um exemplo? O ator Rodrigo Santoro no filme Carandiru, ao interpretar uma mulher trans. Ele fez isso em nome da arte, mas também praticou, mesmo que por um momento, o crossdressing. Isso diminui a prática? Claro que não. Ao contrário: mostra como ela está presente em muitos lugares, ainda que a gente não perceba.


Crossdresser na sigla LGBTQIA+? Eis a polêmica...


Essa parte gera bastante debate e, por isso, quero deixar claro que aqui eu falo da minha opinião pessoal. Já conversei com amigas sobre isso, e cheguei à seguinte conclusão: não vejo necessidade de o crossdressing estar oficialmente na sigla LGBTQIA+.


Isso porque a sigla representa identidades de gênero, orientações sexuais e expressões de gênero permanentes ou estruturais. Já o crossdressing, como discutimos aqui, é uma prática. Uma ação. Um verbo. Pode ser adotado por qualquer pessoa, hétero, gay, bi, cis, trans, e em diferentes contextos. Ele não define quem você é, mas pode sim ser parte da sua jornada para descobrir quem é.


Muitas pessoas trans, por exemplo, começaram sua trajetória através do crossdressing.

Para algumas, foi o primeiro passo rumo à transição. Para outras, foi apenas uma experiência, uma forma de vivenciar algo que fazia sentido naquele momento.


Por isso, na minha visão, a prática do crossdressing não precisa estar na sigla para ser válida ou reconhecida. O importante é que seja compreendida, respeitada, e que cada pessoa que a pratica se sinta acolhida, seja dentro ou fora do guarda-chuva LGBTQIA+.


Conclusão: mais amor, menos rótulos


Ser crossdresser é ser múltipla. É estar entre mundos. É navegar entre o que a sociedade espera e o que o coração sente. É usar uma roupa como ferramenta de expressão, de liberdade, de brincadeira, de autoconhecimento, ou tudo isso junto.


E por isso, seja você CD, cross, cdzinha, ou nenhuma dessas coisas… o que importa é o respeito. Respeito à sua jornada, ao seu tempo, às suas escolhas. E também respeito à jornada do outro. Porque ninguém sabe o peso que o salto do outro carrega, né?


Com carinho,

Paula Lavigne Silva💖👠✨ https://www.paulalavigne.com.br

 
 
 

9 opmerkingen


susan-marx
13 jul

Parabéns pelo texto amiga. Embora eu discorde de você quanto a nossa inclusão na sigla LGBTQI+, afinal nosso lugar dentro da sigla é justamente a letra Q que se refere a identidade queer, o defensor dessa tese foi o professor e crítico literário Michael Foncault. Abordei esse assunto em um vídeo do meu canal. Também sou uma divulgadora do crossdressing. Mas quero levar a sério nossa filosofia. S

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Mirela F.
Mirela F.
12 jul

Oi flor. Eu gostaria de trazer algumas reflexões que considero importantes em cima do seu texto.


Eu acredito que podemos ir mais longe nesse papo, para além dessa suposta "falta de amor", respeito e percepções pessoais. Como você bem menciona, o uso de roupas "do outro gênero" sempre existiu, e de forma e objetivos tão diversos e complexos quanto esse assunto pode ser. Exemplos históricos não faltam para comprovar isso. Por outro lado, ao não aprofundar a análise sobre as mudanças nas relações de produção e nas estruturas de poder que levaram à marginalização e, posteriormente, à tentativa de "respeitabilidade" de tais práticas, penso que se perde muita coisa na compreensão da evolução do fenômeno. A mudança do termo "transvestite" par…


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paula lavigne
paula lavigne
14 jul
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Oiê... Sim, eu concordo contigo.. são temas complexos, envolvem muita coisa.. de fato gritar "Paz e Amor" não diminui a guerra, e não simplifica problema algum, mas, é necessário muitas vezes tornar as coisas mais simples e dizer que não é necessário tanta guerra... Tem uma frase do desenho Naruto que eu gosto muito, que diz algo como, "Não existe mal menor. O mal é mal, ponto final".


O lance é que o ser humano é imperfeito em sua natureza e sempre vamos ocorrer em falhas... Eu costumo dizer, por exemplo, que "A ética só existe enquanto convém"... Então sim, lutas por direitos e tudo mais, revoluções, etc.. fazem parte da humanidade e sempre fizeram e vão fazer.. em pleno…


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ligiamariaborges1984
12 jul

Amei o texto, com uma abordagem que nos faz refletir, concordo plenamente com tudo o que foi escrito, cujo carinho e a delicada do texto muito me agrada, aliás como todos os textos, sendo essa sua marca registrada. Esse texto aborda questões sociais do universo cross, dentro do guarda-chuva da prática do crossdressing, onde cada uma se expressa como se identifica, dando o seu melhor, de modo a se reconhecer em frente ao espelho. Cada uma faz aquilo que se sente bem e faz sentido para si mesma. E penso que todas podem tem seus momentos de expressar-se em todos modos, não sendo algo engessado ou inflexível. E claro que temos nossas preferências, mais tudo tem sua ocasião, a depender…

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paula lavigne
paula lavigne
14 jul
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Oie.. Simm exatamente isso que eu penso, e vc complementou tudo muito bem 🥰

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Deborah Pausini
Deborah Pausini
12 jul

Eu detesto esse termo estigmatizado, sexualizado e rotulado "cdzinha".

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Julia Nandez
Julia Nandez
12 jul

Texto bem instrutivo...

💕💕💕

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